segunda-feira, 4 de junho de 2012




O poder da gentileza

Eminente professor negro, interessado em fundar uma escola num bairro
pobre, onde centenas de crianças desamparadas cresciam sem o benefício
das letras, foi recebido pelo prefeito da cidade que lhe disse imperativamente,
depois de ouvir-lhe o plano:
— A lei e a bondade nem sempre podem estar juntas. Organize uma casa
e autorizaremos a providência.
— Mas, doutor, não dispomos de recursos... — considerou o benfeitor dos
meninos desprotegidos.
— Que fazer?
—De qualquer modo, cabe-nos amparar os pequenos analfabetos.
O prefeito reparou-lhe demoradamente a figura humilde, fêz um riso
escarninho e acrescentou:
—O senhor não pode intervir na administração.
O professor, muito triste, retirou-se e passou a tarde e a noite daquele
sábado, pensando, pensando...
Domingo, muito cedo, saiu a passear, sob as grandes árvores, na direção
de antigo mercado.
Ia comentando, na oração silenciosa:
—Meu Deus, como agir? Não receberemos um pouso para as criancinhas,
Senhor?
Absorvido na meditação, atingiu o mercado e entrou.
O movimento era enorme.
Muitas compras. Muita gente.
Certa senhora, de apresentação distinta, aproximou-se dele e tomando-o
por servidor vulgar, de mãos desocupadas e cabeça vazia, exclamou:
—Meu velho, venha cá.
O professor acompanhou-a, sem vacilar.
À frente dum saco enorme, em que se amontoavam mais de trinta quilos de
verdura, a matrona recomendou:
—Traga-me esta encomenda.
Colocou ele o fardo às costas e seguiu-a.
Caminharam seguramente uns quinhentos metros e penetraram elegante
vivenda, onde a senhora voltou a solicitar:
— Tenho visitas hoje. Poderá ajudar-me no serviço geral?
—Perfeitamente — respondeu o interpelado —, dê suas ordens.
Ela indicou pequeno pátio e determinou-lhe a preparação de meio metro de
lenha para o fogão.
Empunhando o machado, o educador, com esforço, rachou algumas toras.
Findo o serviço, foi chamado para retificar a chaminé. Consertou-a com
sacrifício da própria roupa. Sujo de pó escuro, da cabeça aos pés, recebeu
ordem de buscar um peru assado, à distância de dois quilômetros. Pôs-se a
caminho, trazendo o grande prato em pouco tempo. Logo após, atirou-se à
limpeza de extenso recinto em que se efetuaria lauto almoço.
Nas primeiras horas da tarde, sete pessoas davam entrada no fidalgo
domicílio. Entre elas, relacionava-se o prefeito que anotou a presença do
visitante da véspera, apresentado ao seu gabinete por autoridades
respeitáveis. Reservadamente, indagou da irmã, que era a dona da casa,

quanto ao novo conhecimento, conversando ambos em surdina.
Ao fim do dia, a matrona distinta e autoritária, com visível desapontamento,
veio ao servo improvisado e pediu o preço dos trabalhos.
— Não pense nisto — respondeu com sinceridade —, tive muito prazer em
ser-lhe útil.
No dia imediato, contudo, a dama da véspera procurou-o, na casa modesta
em que se hospedava e, depois de rogar-lhe desculpas, anunciou-lhe a
concessão de amplo edifício, destinado à escola que pretendia estabelecer. As
crianças usariam o patrimônio à vontade e o prefeito autorizaria a providência
com satisfação.
Deixando transparecer nos olhos húmidos a alegria e o reconhecimento
que lhe reinavam nalma, o professor agradeceu e beijou-lhe as mãos,
respeitoso.
A bondade dele vencera os impedimentos legais.
O exemplo é mais vigoroso que a argumentação.
A gentileza está revestida, em toda parte, de glorioso poder.

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